OLIVEIRA, S. F. O discurso anticomunista. Ágora, Uberlândia, 1 (1): 64-73, jan./jun. 1993.
O discurso uberlandense procurava mostrar a imagem da cidade enquanto espaço limpo, harmonioso, que visava o progresso de todos. Na prática, entretanto, não havia como negar as diferenças e as contradições sociais. Em outras palavras, ao mesmo tempo, que a cidade era modelo de ordem e progresso era também reconhecida como a "Moscou brasileira".
O Comunismo era tema que incomodava, e desde a década de 20 já se iniciava uma campanha anticomunista nos jornais do município. Eram notícias sobre o comunismo no mundo e, sobretudo, no Brasil. Contudo, essa temática tornou-se realmente importante somente em 1945, quando ocorreu fundação do Partido Comunista na cidade.
O PCB uberlandense teve uma participação significativa nas eleições de 1947, quando conseguiu eleger quatro vereadores sob a legenda do Partido Popular Progressista. Nessa campanha, eles contaram com a presença de Luís Carlos Prestes em comício promovido pelo partido em Uberlândia.
"(...) apesar do fechamento do Comitê Municipal do PCB e suas respectivas células em 12/05/1947, seus elementos continuavam atuando, quer seja por meio reuniões, quer seja comemorando, com pichações, boletins e faixas, aniversários da Revolução Russa e até mesmo de Lênin." (Jane F. S. Rodrigues, Trabalho, Ordem e Progresso, p. 140.)
Até 1948, mesmo proibindo a atuação dos membros do PCB, a polícia uberlandense não reprimia de forma violenta as suas manifestações. Foi assim com o fechamento da sede do partido na cidade:
"a diligência ocorreu sem incidente, sem embaraço, encontrando as autoridades por parte dos responsáveis pelo partido em Uberlândia todo o respeito e acatamento às ordens que estavam sendo cumpridas... assim graças à seriedade das nossas autoridades que não quiseram dar caráter aparatoso à diligência, graças à boa vontade e o espírito de respeito a lei encontrado da parte dos dirigentes do partido nesta cidade, foi dado cumprimento às ordens e instruções recebidas da Chefia de Polícia. . ." (Correio de Uberlândia, 15-10-1947, Apud, Jane F. S. Rodrigues, Trabalho, Ordem e Progresso, p.101-141)
Entretanto, esse quadro mudou a partir de 1948, quando houve um aumento do contingente policial do município, e ocorreram graves conflitos entre os militantes e a polícia. (Jane F. S. Rodrigues, Trabalho, Ordem e Progresso, p. 141) Em um desses conflitos, em 1951, foram feridos dois delegados de polícia (Correio de Uberlândia, 24-07-1951, p. 1) e seis militantes foram presos e levados para Belo Horizonte. (Correio de Uberlândia, 24-07-1951, p. 1)
Mesmo na ilegalidade, os comunistas continuavam se elegendo para a Câmara Municipal, através da legenda de outros partidos, como o vereador Roberto Margonari, que afirmava na tribuna que seu partido era "O Partido Comunista do Brasil e não o Partido Republicano por cuja legenda foi eleito." (Câmara Municipal de Uberlândia – CMU – Ata de Reunião Extraordinária, 04-10-1951, Livro n. 62, p. 97)
Uma das principais lutas dos vereadores comunistas era contra a repressão policial. Como exemplos, podemos citar a atuação do vereador José Virgílio Mineiro, que denunciava o aumento do aparato policial em Uberlândia devido à realização de um Congresso de Camponeses na vizinha cidade de Capinópolis, e do vereador Roberto Margonari, que via no aumento da repressão policial "a possibilidade de um golpe, como em 1937, onde o poder usaria ‘a desculpa comunista’." (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 19-03-1952, Livro n. 64, p. 31-32)
Ser comunista ou mesmo ser rotulado dessa maneira, não era algo simples na década de 1950:
"Crítica, continuando na tribuna o vereador Roberto Margonari, a atitude do jornal local ‘A voz do Triângulo’ ao denunciar como comunistas patriotas uberlandenses, procurando amedrontar esses elementos na luta em defesa de determinados problemas nacionais." (CMU – Ata de Reunião Extraordinária, 07-05-1953, Livro n. 66, p. 63)
Fica-nos clara, assim, a força do discurso anticomunista. Em 19/10/1953, a Câmara Municipal recebeu um ofício da Delegacia Especializada de Ordem Pública, alertando-a contra a ação dos militantes comunistas, pois tratava-se de "traidores da Pátria (...) que juraram escravizá-la ao jugo das Potências do Mal." (CMU – Ata de Reunião Extraordinária, 07-05-1953, Livro n. 66, p. 63)
Havia ainda nos anos 1950 a Cruzada Brasileira Anticomunista. O seu presidente, o almirante Carlos Pena Boto, afirmava que:
"(...) há disseminados em Minas Gerais nada menos que 18.000 comunistas e que a infiltração dos vermelhos nas classes armadas, apesar das medidas de repressão postas em prática, constitui o mais grave aspecto da situação brasileira.’
Acrescentou o almirante Carlos Pena Boto que a cruzada, sob sua direção, conta com pleno apoio e a cooperação da igreja católica." (Correio de Uberlândia, 19-07-1952, p. 1)
O almirante Pena Boto tinha uma análise muito particular sobre os problemas do Triângulo Mineiro. Ele achava que a região era foco de comunistas, e que eles contavam com a proteção do deputado Mário Palmério:
"Houve a promessa de dividir uma unidade (do exército) entre Ipameri, Goiânia e Uberlândia, mas, na ausência do Ministro da Guerra, o Deputado Mário Palmério (do PTB), conseguiu, agindo em altas esferas, sediar em Uberaba a companhia que deveria ir para Uberlândia, apesar de Uberaba já contar com uma unidade da Polícia Militar.
Houve, o que é evidente, a intenção de não permitir o combate ao comunismo, onde Roberto Margonari, chefe comunista local, opera sob as vistas de um Estado Maior. (. . . ) Como Uberlândia constitui um ponto-chave comunista no Triângulo Mineiro, convém observar ainda que a Rádio Educadora local, provada sua ligação com o elemento comunista, continua no ar, graças aos esforços do mesmo deputado trabalhista junto às autoridades do governo." (Correio de Uberlândia, 07-11-1953, p. 1-2)
Na Câmara Federal, o deputado Mário Palmério respondeu a todas as críticas do almirante Pena Boto, explicando por que a unidade do exército foi para Uberaba e não para Uberlândia - ele disse que em Uberaba já existia algumas faculdades e uma "numerosa população acadêmica (...), esses (foram) os fatores principais que me levaram a pretender instalar, também, em Uberaba, o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva, para poder atender à preparação militar superior dos acadêmicos que ali residem e estudam" (Correio de Uberlândia, 07-11-1953, p. 2) -, o seu envolvimento com a Rádio Educadora de Uberlândia, onde era o maior acionista - dizendo que não havia comunistas nessa rádio, que tratava-se, ao contrário, de críticas infundadas de outra rádio uberlandense, que era propriedade de membros do PSD -, e ressaltando, sobretudo, que Uberlândia não era "a Moscou brasileira do Sr. Almirante Pena Boto e nem o Triângulo Mineiro o quartel general do movimento subversivo comunista." (Correio de Uberlândia, 07-11-1953, p. 2)
Neste momento o deputado Mário Palmério contava com o apoio do jornal Correio de Uberlândia, mesmo existindo motivos para acirrar o bairrismo entre as duas cidades triangulinas - como questão da unidade do exército -, pois o problema maior era a imagem "negativa" da cidade como a "Moscou brasileira". Mesmo em outros momentos, o jornal procurava negar que Uberlândia fosse "foco de comunistas" (Correio de Uberlândia, 11-09-1955, p. 1) ou que o Triângulo Mineiro fosse "foco de guerrilhas comunistas." (Correio de Uberlândia, 19-08-1962, p. 10)
Em 1959, o jornalista Marçal Costa publicou trechos de sua entrevista com Luiz Carlos Prestes, e sua opinião sobre o ex-líder comunista:
"O ex-capitão, ex-senador e ex-comandante máximo de milhões de simpatizantes da doutrina vermelha, Fidel Castro tupiniquim que mais de 20 anos antes do revolucionário de Sierra Maestra não libertou a pátria mas usou barbas e internou-se com uma histórica ‘coluna’ no Brasil selvagem e bárbaro, é hoje o retrato fiel de um pequeno burguês. Tem a fisionomia um pouco triste. Mas é um homem saudável. Está velho e não aparenta a idade que possui. À primeira vista pode-se avalia-lo com 38 ou 40 anos. Quando, como representante credenciado da imprensa, fui entrevistá-lo, Luiz Carlos Prestes trajava impecável ‘risca-de-giz’ de tropical brilhante. Colarinho perfeitamente engomado e gravata (poderia ser de outra cor) vermelha." (Correio de Uberlândia, 10-05-1959, p. 1 e 5)
Assim, até mesmo a figura - deturpada - de Prestes era usada na campanha anticomunistas. No discurso do jornalista, o velho revolucionário havia se tornado um pequeno burguês, dando-se a entender, sutilmente, um suposto arrependimento do ex-comandante, quando não a ideia de que vir a ser pequeno burguês era o caminho de todo comunista. Isso sem falar nas ironias - "mas usou barbas" - e nos termos pejorativos - "Fidel Castro tupiniquim" - que usou para montar a imagem do ex-líder comunista.
No início da década de 60, intensificou-se ainda mais o anticomunismo na cidade, com notícias da força dessa campanha no Rio e em São Paulo, com o apoio e as denúncias, respectivamente, da Associação Comercial do Rio de Janeiro (Correio de Uberlândia, 22-07-1962, p. 6) e do Movimento Sindical Democrático, que tinha sede em São Paulo, onde, em reunião da entidade, "o Sr. Antônio Pereira Magaldi, presidente da Federação dos Empregados no Comércio do Estado de São Paulo, relatou a sua recente entrevista com o Ministro do Trabalho, quando apontou o perigo dos comunistas infiltrados nos sindicatos." (Correio de Uberlândia, 04-12-1962, p. 1)
Em 1963, o governador mineiro Magalhães Pinto alerta contra uma possível "revolução sangrenta":
"Precisamos antes de tudo, unir a nossa Pátria, para sua definitiva emancipação. Temos que preservar o Brasil de uma revolução sangrenta, que não duvidemos internacionalizaria aqui uma guerra, uma luta fraticida" (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 21-05-1963, Livro n. 84, p. 22)
Em 1964, pouco antes do golpe militar, os vereadores uberlandenses discutiam a nota divulgada pelo Sindicato Rural de Uberlândia, onde essa entidade se posicionava de maneira clara contra a vinda do deputado Leonel Brizola a cidade. (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 04-03-1964, Livro n. 87, p. 76)
Com o golpe militar, o que era campanha anticomunista, tornou-se, de fato, caça aos comunistas:
"Em Uberlândia, a partir de ontem, o exército prendeu várias pessoas e políticos, supostamente implicados em uma revolução que implantasse um regime comunista no Brasil." (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 09-04-1964, Livro n. 88, p. 29)
No município houve também a Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade, apoiando o movimento militar de 1964:
"Uberlandenses de todas as categorias sociais, aos milhares sem credo político, ou religioso, participaram na noite de anteontem da Marcha Com Deus Pela Liberdade, um dos maiores acontecimentos cívicos já ocorridos em nossa terra, comemorando a vitória da democracia, grito de legalidade partido das montanhas altaneiras da gloriosa Minas Gerais.
(...) A monumental Marcha Com Deus Pela Liberdade foi uma festa do povo autêntica e espontânea. Mas foi também uma demonstração de que Uberlândia está ao lado da ordem, da democracia, em campo oposto ao comunismo ateu e desagregacionista, destruidor da família brasileira. As escolas de samba do povo desfilaram, os estudantes, os trabalhadores, os operários, intelectuais, homens do comércio e do campo, enfim, todas as classes sociais disseram ‘presente’ à marcha, simbolizando o ‘não’ ao totalitarismo que se tentou impor ao Brasil livre." (Correio de Uberlândia, 05 e 06-04-1964, p. 1)
Na Câmara Municipal, os vereadores "suspeitos" solicitavam a palavra para em discursos emocionados, tentar convencer os colegas de que eles não eram comunistas. Foi assim com Natal Felice, (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 13-04-1964, Livro n. 88, p. 32) João Pedro Gustim e Carlito Cordeiro. (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 14-04-1964, Livro n. 88, p. 34-35) Isso não impediu, porém, a renúncia de Carlito Cordeiro (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 16-04-1964, Livro n. 88, p. 36-37) nem a cassação do mandato de Natal Felice, sendo que esse último, de acordo com capitão Cláudio, comandante da 3a. Cia do 6o. B.C., "estava fichado pelo exército como agitador, e (...) era preciso afastar os agitadores da Tribuna da Câmara." (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 27-04-1964, Livro n. 88, p. 47) Na cidade, esse clima repressivo não era diferente. A diretoria eleita de UESU - entidade estudantil - foi impedida de tomar posse, "porque alguns elementos de sua composição estão sob acusação de prática de idéias comunistas, contrárias ao regime democrático instaurado graças ao movimento revolucionário de 1o. de abril." (Correio de Uberlândia, 12 e 13-04-1964, p. 1) A repressão não ocorria somente sobre os estudantes:
"Todas as associações de classe, entidades sociais, sindicatos, etc., componentes do sistema associativo de Uberlândia serão expurgados de elementos comunistas, tão logo se prove sua participação autêntica em movimentos subversivos ligados ao deposto governo Goulart. A medida visará, de maneira coerente, libertar tais entidades, a fim de que possam prosseguir em suas finalidades dentro do regime democrático, isentas de atividades estranhas ao nosso sistema cristão e humano que está muito ausente da teoria materialista e vermelha importada da China e Cortina de Ferro." (Correio de Uberlândia, 12 e 13-04-1964, p. 1)
Assim, nos governos militares, o Jornal Correio de Uberlândia ficava ainda mais à vontade na sua campanha anticomunista, afirmando, inclusive, que essa era também a postura da cidade:
"O rompimento de relações do Brasil com o regime comunista cubano, ponta de lança do perigo vermelho nas Américas sob o domínio do ditador títere de Moscou, Sr. Fidel Castro, obteve a mais franca atitude de aplauso por parte da população democrática da cidade de Uberlândia. Tão logo circulou a notícia mantivemos contato com diversas fontes para saber como era encarada a atitude do governo brasileiro no caso cubano. Professores advogados e médicos manifestaram aplauso ao presidente Castelo Branco pela acertada medida." (Correio de Uberlândia, 16-05-1964, p. 1)
Como parte de sua política anticomunista, o jornal começou a publicar, em 1966, uma coluna da T.F.P. (Tradição, Família e Propriedade), com o seguinte título: "Universitários da TFP". Os artigos analisavam temas variados - como o comunismo, a filosofia da História, a reforma agrária, o divórcio, a família, a juventude brasileira, entre muitos outros - dentro da perspectiva cristã, conservadora e anticomunista, como podemos perceber nos exemplos abaixo:
- Sobre o comunismo no mundo: "A enorme propagação do comunismo, desde a sua oficialização em um Estado comunista em 1917, não se explica somente pelos tanques, bombas, campos de concentração e demais aparelhos bélicos usados na intimidação das potências que lhe são opostas. A maior parte do êxito se deve à exploração das profundas tendências desregradas da alma humana, cujo orgulho satânico se revolta contra toda espécie de autoridade e privilégios. Eis um campos magnífico, que o comunismo explora amplamente." (Correio de Uberlândia, 12-04-1966, p. 3)
- Sobre o socialismo e a família: "O Socialismo, suscitado para substituir a ordem de Deus pela desordem do demônio, está forjando uma sociedade igualitária, anorgânica, e, por conseguinte, anti-hierárquica e diametralmente oposta à sociedade medieval! Por isso importa-lhe abater a base da sociedade católica - a família - a principal fonte de desigualdades. Daí que o socialismo, nos estágios mais avançados, propugna pela dissolução da família e pelo amor livre." (Correio de Uberlândia, 15 e 16-05-1966, p. 5)
Em relação à TFP, o jornal Correio de Uberlândia não se limitava a publicar somente a coluna universitária. Ao contrário, esta entidade tinha espaço no jornal para divulgar suas notícias e suas atividades, como o curso de formação anticomunista que ocorreu em São Paulo em 1968. (Correio de Uberlândia, 04 e 05-02-1968, p. 4) Em Uberlândia, os políticos chamavam seus adversários de esquerdistas e ameaçavam entregá-los para os militares. É interessante perceber que isso se dava dentro do próprio partido do governo - a ARENA - , entre facções diferentes. o prefeito Renato de Freitas era criticado pelo vereador Amir Cherulli, que ameaçava pedir "ao Conselho de Segurança Nacional, para que enquadre o Prefeito desonesto (. . . ) nos atos de revolução," (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 11-02-1969, Livro n. 98, p. 55) e quando foi reeleito para a prefeitura em 1972, outro vereador, Antônio Carlos de Oliveira, acreditava na possibilidade.
"(...) de que os ganhadores da eleição estarem ligados a grupos internacionais comunistas e que, possivelmente, mostrou o absurdo das despesas feitas, tenha sido financiados por países esquerdistas do continente. E acredito que os futuros auxiliares do novo prefeito serão todos da linha esquerdistas. Que os subversivos já estão se organizando e operando em Uberlândia fazendo com que ela volte a ser congnominada de ‘Moscou Brasileira’." (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 15-01-1973, Livro n. 102, p. 159)
Assim, o discurso anticomunista era utilizado nas lutas políticas do município, enquanto ameaça, para Uberlândia não voltar a ser a "Moscou brasileira". No entanto, tratava-se mais de um mecanismo na luta pelo poder local do que críticas sérias e fundadas. A cidade estava plenamente de acordo com os governos militares, como podemos perceber na comemoração dos aniversários da "revolução democrática", com artigos na imprensa46 e sessões especiais na Câmara Municipal. (CMU – Ata da Sessão Solene Comemorativa ao 8º. Aniversário da Revolução de 1964, 29-03-1972, Livro n. 102, p. 55) Na década de 1970, além dessa comemoração - e mesmo outras datas militares eram reverenciadas, como o Dia da Vitória Aliada (Correio de Uberlândia, 07-05-1975, p. 1) e o Dia do Soldado (Correio de Uberlândia, 26 e 27-08-1978, p. 1) - a imprensa divulgava, de um lado, com certa naturalidade, as manobras na região, (Correio de Uberlândia, 14-12-1973, p. 1 e Correio de Uberlândia, 04-04-1975, p. 1) e, de outro, criticava duramente "os agentes do terrorismo", como Lamarca, que vivia como um "verdadeiro burguês", de acordo com Correio de Uberlândia:
"A propósito, terroristas da VPR presos, principalmente os que repudiam a organização, se referem aos milhares de dólares recebidos por Lamarca que lhe permitiram mandar sua família legítima, esposa e filhos, para Cuba onde vivem como ‘nouveaux riches’ e também, continuar no Brasil como um verdadeiro burguês sustentando outra família constituída com sua amante, a terrorista Yara Yavelberg." (Correio de Uberlândia, 20-07-1971, p. 7)
No final dos anos 1970 houve o retorno das greves a nível nacional, sobretudo em São Paulo, e iniciou-se um processo de luta pelo fim dos governos militares. Em Uberlândia, também ocorreram mudanças, como o fortalecimento do MDB (Correio de Uberlândia, 22-11-1978, p. 1) - partido que até então não tinha participação expressiva na cidade - e o ressurgimento das greves - como a dos professores estaduais, dos bancários e dos estudantes da UFU (Correio de Uberlândia, 15-06-1979 e Correio de Uberlândia, 21-08-1979, p. 1) -, o que era condenado pela imprensa local. (Correio de Uberlândia, 29-11-1979, p. 7)
Além das greves, a sociedade uberlandense começou a se organizar também através das Associações de Moradores (AMs). Entretanto, a criação das AMs na cidade fazia parte da estratégia de um grupo do PMDB para chegar ao poder. (Nizia N. Alvarenga, As Associações de Moradores de Uberlândia, p. 39) Esse grupo, baseado nas AMs e em outras organizações populares, venceu as eleições para a prefeitura de Uberlândia em 1982, e fez questão de se diferenciar, tanto no discurso como na prática, das administrações anteriores, como podemos perceber na mensagem do Executivo a Câmara Municipal de 1984:
"(...) o nosso Projeto de Governo, no ano que passou, teve um desenvolvimento auspicioso. No plano político procuramos lançar as bases da Democracia Participativa como método de governo. Acreditamos que a participação do povo, suas críticas e sugestões, são importantes para um melhor aproveitamento na aplicação dos recursos públicos que a cada orçamento ficam escassos. No plano administrativo, de obras e serviços, procuramos atender às necessidade mais urgentes da população, investindo e aplicando os recursos na área social. A nossa preocupação maior foi e continua sendo a de resgatar a enorme dívida social deixada pelo passado." (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 15-02-1984)
Assim, o prefeito do PMDB Zaire Rezende encaminhava a sua administração de uma maneira diferente das anteriores, contando inclusive com o apoio e a participação de comunistas no seu governo. Aliás, nesta conjuntura de abertura política e redemocratização do país, o discurso anticomunista caía no vazio. Se antes fora um aspecto fundamental do discurso conservador - dos grupos que estavam no poder, indo das prefeituras, como Uberlândia, até ao governo federal, dominado pelos militares -, na década de 1980, com as mudanças políticas e a redemocratização, com a ascensão de novos grupos, tanto a nível municipal e estadual, e com a implantação da Nova República, o anticomunismo tornar-se-ia um fantasma do passado.
O discurso uberlandense procurava mostrar a imagem da cidade enquanto espaço limpo, harmonioso, que visava o progresso de todos. Na prática, entretanto, não havia como negar as diferenças e as contradições sociais. Em outras palavras, ao mesmo tempo, que a cidade era modelo de ordem e progresso era também reconhecida como a "Moscou brasileira".
O Comunismo era tema que incomodava, e desde a década de 20 já se iniciava uma campanha anticomunista nos jornais do município. Eram notícias sobre o comunismo no mundo e, sobretudo, no Brasil. Contudo, essa temática tornou-se realmente importante somente em 1945, quando ocorreu fundação do Partido Comunista na cidade.
O PCB uberlandense teve uma participação significativa nas eleições de 1947, quando conseguiu eleger quatro vereadores sob a legenda do Partido Popular Progressista. Nessa campanha, eles contaram com a presença de Luís Carlos Prestes em comício promovido pelo partido em Uberlândia.
"(...) apesar do fechamento do Comitê Municipal do PCB e suas respectivas células em 12/05/1947, seus elementos continuavam atuando, quer seja por meio reuniões, quer seja comemorando, com pichações, boletins e faixas, aniversários da Revolução Russa e até mesmo de Lênin." (Jane F. S. Rodrigues, Trabalho, Ordem e Progresso, p. 140.)
Até 1948, mesmo proibindo a atuação dos membros do PCB, a polícia uberlandense não reprimia de forma violenta as suas manifestações. Foi assim com o fechamento da sede do partido na cidade:
"a diligência ocorreu sem incidente, sem embaraço, encontrando as autoridades por parte dos responsáveis pelo partido em Uberlândia todo o respeito e acatamento às ordens que estavam sendo cumpridas... assim graças à seriedade das nossas autoridades que não quiseram dar caráter aparatoso à diligência, graças à boa vontade e o espírito de respeito a lei encontrado da parte dos dirigentes do partido nesta cidade, foi dado cumprimento às ordens e instruções recebidas da Chefia de Polícia. . ." (Correio de Uberlândia, 15-10-1947, Apud, Jane F. S. Rodrigues, Trabalho, Ordem e Progresso, p.101-141)
Entretanto, esse quadro mudou a partir de 1948, quando houve um aumento do contingente policial do município, e ocorreram graves conflitos entre os militantes e a polícia. (Jane F. S. Rodrigues, Trabalho, Ordem e Progresso, p. 141) Em um desses conflitos, em 1951, foram feridos dois delegados de polícia (Correio de Uberlândia, 24-07-1951, p. 1) e seis militantes foram presos e levados para Belo Horizonte. (Correio de Uberlândia, 24-07-1951, p. 1)
Mesmo na ilegalidade, os comunistas continuavam se elegendo para a Câmara Municipal, através da legenda de outros partidos, como o vereador Roberto Margonari, que afirmava na tribuna que seu partido era "O Partido Comunista do Brasil e não o Partido Republicano por cuja legenda foi eleito." (Câmara Municipal de Uberlândia – CMU – Ata de Reunião Extraordinária, 04-10-1951, Livro n. 62, p. 97)
Uma das principais lutas dos vereadores comunistas era contra a repressão policial. Como exemplos, podemos citar a atuação do vereador José Virgílio Mineiro, que denunciava o aumento do aparato policial em Uberlândia devido à realização de um Congresso de Camponeses na vizinha cidade de Capinópolis, e do vereador Roberto Margonari, que via no aumento da repressão policial "a possibilidade de um golpe, como em 1937, onde o poder usaria ‘a desculpa comunista’." (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 19-03-1952, Livro n. 64, p. 31-32)
Ser comunista ou mesmo ser rotulado dessa maneira, não era algo simples na década de 1950:
"Crítica, continuando na tribuna o vereador Roberto Margonari, a atitude do jornal local ‘A voz do Triângulo’ ao denunciar como comunistas patriotas uberlandenses, procurando amedrontar esses elementos na luta em defesa de determinados problemas nacionais." (CMU – Ata de Reunião Extraordinária, 07-05-1953, Livro n. 66, p. 63)
Fica-nos clara, assim, a força do discurso anticomunista. Em 19/10/1953, a Câmara Municipal recebeu um ofício da Delegacia Especializada de Ordem Pública, alertando-a contra a ação dos militantes comunistas, pois tratava-se de "traidores da Pátria (...) que juraram escravizá-la ao jugo das Potências do Mal." (CMU – Ata de Reunião Extraordinária, 07-05-1953, Livro n. 66, p. 63)
Havia ainda nos anos 1950 a Cruzada Brasileira Anticomunista. O seu presidente, o almirante Carlos Pena Boto, afirmava que:
"(...) há disseminados em Minas Gerais nada menos que 18.000 comunistas e que a infiltração dos vermelhos nas classes armadas, apesar das medidas de repressão postas em prática, constitui o mais grave aspecto da situação brasileira.’
Acrescentou o almirante Carlos Pena Boto que a cruzada, sob sua direção, conta com pleno apoio e a cooperação da igreja católica." (Correio de Uberlândia, 19-07-1952, p. 1)
O almirante Pena Boto tinha uma análise muito particular sobre os problemas do Triângulo Mineiro. Ele achava que a região era foco de comunistas, e que eles contavam com a proteção do deputado Mário Palmério:
"Houve a promessa de dividir uma unidade (do exército) entre Ipameri, Goiânia e Uberlândia, mas, na ausência do Ministro da Guerra, o Deputado Mário Palmério (do PTB), conseguiu, agindo em altas esferas, sediar em Uberaba a companhia que deveria ir para Uberlândia, apesar de Uberaba já contar com uma unidade da Polícia Militar.
Houve, o que é evidente, a intenção de não permitir o combate ao comunismo, onde Roberto Margonari, chefe comunista local, opera sob as vistas de um Estado Maior. (. . . ) Como Uberlândia constitui um ponto-chave comunista no Triângulo Mineiro, convém observar ainda que a Rádio Educadora local, provada sua ligação com o elemento comunista, continua no ar, graças aos esforços do mesmo deputado trabalhista junto às autoridades do governo." (Correio de Uberlândia, 07-11-1953, p. 1-2)
Na Câmara Federal, o deputado Mário Palmério respondeu a todas as críticas do almirante Pena Boto, explicando por que a unidade do exército foi para Uberaba e não para Uberlândia - ele disse que em Uberaba já existia algumas faculdades e uma "numerosa população acadêmica (...), esses (foram) os fatores principais que me levaram a pretender instalar, também, em Uberaba, o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva, para poder atender à preparação militar superior dos acadêmicos que ali residem e estudam" (Correio de Uberlândia, 07-11-1953, p. 2) -, o seu envolvimento com a Rádio Educadora de Uberlândia, onde era o maior acionista - dizendo que não havia comunistas nessa rádio, que tratava-se, ao contrário, de críticas infundadas de outra rádio uberlandense, que era propriedade de membros do PSD -, e ressaltando, sobretudo, que Uberlândia não era "a Moscou brasileira do Sr. Almirante Pena Boto e nem o Triângulo Mineiro o quartel general do movimento subversivo comunista." (Correio de Uberlândia, 07-11-1953, p. 2)
Neste momento o deputado Mário Palmério contava com o apoio do jornal Correio de Uberlândia, mesmo existindo motivos para acirrar o bairrismo entre as duas cidades triangulinas - como questão da unidade do exército -, pois o problema maior era a imagem "negativa" da cidade como a "Moscou brasileira". Mesmo em outros momentos, o jornal procurava negar que Uberlândia fosse "foco de comunistas" (Correio de Uberlândia, 11-09-1955, p. 1) ou que o Triângulo Mineiro fosse "foco de guerrilhas comunistas." (Correio de Uberlândia, 19-08-1962, p. 10)
Em 1959, o jornalista Marçal Costa publicou trechos de sua entrevista com Luiz Carlos Prestes, e sua opinião sobre o ex-líder comunista:
"O ex-capitão, ex-senador e ex-comandante máximo de milhões de simpatizantes da doutrina vermelha, Fidel Castro tupiniquim que mais de 20 anos antes do revolucionário de Sierra Maestra não libertou a pátria mas usou barbas e internou-se com uma histórica ‘coluna’ no Brasil selvagem e bárbaro, é hoje o retrato fiel de um pequeno burguês. Tem a fisionomia um pouco triste. Mas é um homem saudável. Está velho e não aparenta a idade que possui. À primeira vista pode-se avalia-lo com 38 ou 40 anos. Quando, como representante credenciado da imprensa, fui entrevistá-lo, Luiz Carlos Prestes trajava impecável ‘risca-de-giz’ de tropical brilhante. Colarinho perfeitamente engomado e gravata (poderia ser de outra cor) vermelha." (Correio de Uberlândia, 10-05-1959, p. 1 e 5)
Assim, até mesmo a figura - deturpada - de Prestes era usada na campanha anticomunistas. No discurso do jornalista, o velho revolucionário havia se tornado um pequeno burguês, dando-se a entender, sutilmente, um suposto arrependimento do ex-comandante, quando não a ideia de que vir a ser pequeno burguês era o caminho de todo comunista. Isso sem falar nas ironias - "mas usou barbas" - e nos termos pejorativos - "Fidel Castro tupiniquim" - que usou para montar a imagem do ex-líder comunista.
No início da década de 60, intensificou-se ainda mais o anticomunismo na cidade, com notícias da força dessa campanha no Rio e em São Paulo, com o apoio e as denúncias, respectivamente, da Associação Comercial do Rio de Janeiro (Correio de Uberlândia, 22-07-1962, p. 6) e do Movimento Sindical Democrático, que tinha sede em São Paulo, onde, em reunião da entidade, "o Sr. Antônio Pereira Magaldi, presidente da Federação dos Empregados no Comércio do Estado de São Paulo, relatou a sua recente entrevista com o Ministro do Trabalho, quando apontou o perigo dos comunistas infiltrados nos sindicatos." (Correio de Uberlândia, 04-12-1962, p. 1)
Em 1963, o governador mineiro Magalhães Pinto alerta contra uma possível "revolução sangrenta":
"Precisamos antes de tudo, unir a nossa Pátria, para sua definitiva emancipação. Temos que preservar o Brasil de uma revolução sangrenta, que não duvidemos internacionalizaria aqui uma guerra, uma luta fraticida" (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 21-05-1963, Livro n. 84, p. 22)
Em 1964, pouco antes do golpe militar, os vereadores uberlandenses discutiam a nota divulgada pelo Sindicato Rural de Uberlândia, onde essa entidade se posicionava de maneira clara contra a vinda do deputado Leonel Brizola a cidade. (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 04-03-1964, Livro n. 87, p. 76)
Com o golpe militar, o que era campanha anticomunista, tornou-se, de fato, caça aos comunistas:
"Em Uberlândia, a partir de ontem, o exército prendeu várias pessoas e políticos, supostamente implicados em uma revolução que implantasse um regime comunista no Brasil." (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 09-04-1964, Livro n. 88, p. 29)
No município houve também a Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade, apoiando o movimento militar de 1964:
"Uberlandenses de todas as categorias sociais, aos milhares sem credo político, ou religioso, participaram na noite de anteontem da Marcha Com Deus Pela Liberdade, um dos maiores acontecimentos cívicos já ocorridos em nossa terra, comemorando a vitória da democracia, grito de legalidade partido das montanhas altaneiras da gloriosa Minas Gerais.
(...) A monumental Marcha Com Deus Pela Liberdade foi uma festa do povo autêntica e espontânea. Mas foi também uma demonstração de que Uberlândia está ao lado da ordem, da democracia, em campo oposto ao comunismo ateu e desagregacionista, destruidor da família brasileira. As escolas de samba do povo desfilaram, os estudantes, os trabalhadores, os operários, intelectuais, homens do comércio e do campo, enfim, todas as classes sociais disseram ‘presente’ à marcha, simbolizando o ‘não’ ao totalitarismo que se tentou impor ao Brasil livre." (Correio de Uberlândia, 05 e 06-04-1964, p. 1)
Na Câmara Municipal, os vereadores "suspeitos" solicitavam a palavra para em discursos emocionados, tentar convencer os colegas de que eles não eram comunistas. Foi assim com Natal Felice, (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 13-04-1964, Livro n. 88, p. 32) João Pedro Gustim e Carlito Cordeiro. (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 14-04-1964, Livro n. 88, p. 34-35) Isso não impediu, porém, a renúncia de Carlito Cordeiro (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 16-04-1964, Livro n. 88, p. 36-37) nem a cassação do mandato de Natal Felice, sendo que esse último, de acordo com capitão Cláudio, comandante da 3a. Cia do 6o. B.C., "estava fichado pelo exército como agitador, e (...) era preciso afastar os agitadores da Tribuna da Câmara." (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 27-04-1964, Livro n. 88, p. 47) Na cidade, esse clima repressivo não era diferente. A diretoria eleita de UESU - entidade estudantil - foi impedida de tomar posse, "porque alguns elementos de sua composição estão sob acusação de prática de idéias comunistas, contrárias ao regime democrático instaurado graças ao movimento revolucionário de 1o. de abril." (Correio de Uberlândia, 12 e 13-04-1964, p. 1) A repressão não ocorria somente sobre os estudantes:
"Todas as associações de classe, entidades sociais, sindicatos, etc., componentes do sistema associativo de Uberlândia serão expurgados de elementos comunistas, tão logo se prove sua participação autêntica em movimentos subversivos ligados ao deposto governo Goulart. A medida visará, de maneira coerente, libertar tais entidades, a fim de que possam prosseguir em suas finalidades dentro do regime democrático, isentas de atividades estranhas ao nosso sistema cristão e humano que está muito ausente da teoria materialista e vermelha importada da China e Cortina de Ferro." (Correio de Uberlândia, 12 e 13-04-1964, p. 1)
Assim, nos governos militares, o Jornal Correio de Uberlândia ficava ainda mais à vontade na sua campanha anticomunista, afirmando, inclusive, que essa era também a postura da cidade:
"O rompimento de relações do Brasil com o regime comunista cubano, ponta de lança do perigo vermelho nas Américas sob o domínio do ditador títere de Moscou, Sr. Fidel Castro, obteve a mais franca atitude de aplauso por parte da população democrática da cidade de Uberlândia. Tão logo circulou a notícia mantivemos contato com diversas fontes para saber como era encarada a atitude do governo brasileiro no caso cubano. Professores advogados e médicos manifestaram aplauso ao presidente Castelo Branco pela acertada medida." (Correio de Uberlândia, 16-05-1964, p. 1)
Como parte de sua política anticomunista, o jornal começou a publicar, em 1966, uma coluna da T.F.P. (Tradição, Família e Propriedade), com o seguinte título: "Universitários da TFP". Os artigos analisavam temas variados - como o comunismo, a filosofia da História, a reforma agrária, o divórcio, a família, a juventude brasileira, entre muitos outros - dentro da perspectiva cristã, conservadora e anticomunista, como podemos perceber nos exemplos abaixo:
- Sobre o comunismo no mundo: "A enorme propagação do comunismo, desde a sua oficialização em um Estado comunista em 1917, não se explica somente pelos tanques, bombas, campos de concentração e demais aparelhos bélicos usados na intimidação das potências que lhe são opostas. A maior parte do êxito se deve à exploração das profundas tendências desregradas da alma humana, cujo orgulho satânico se revolta contra toda espécie de autoridade e privilégios. Eis um campos magnífico, que o comunismo explora amplamente." (Correio de Uberlândia, 12-04-1966, p. 3)
- Sobre o socialismo e a família: "O Socialismo, suscitado para substituir a ordem de Deus pela desordem do demônio, está forjando uma sociedade igualitária, anorgânica, e, por conseguinte, anti-hierárquica e diametralmente oposta à sociedade medieval! Por isso importa-lhe abater a base da sociedade católica - a família - a principal fonte de desigualdades. Daí que o socialismo, nos estágios mais avançados, propugna pela dissolução da família e pelo amor livre." (Correio de Uberlândia, 15 e 16-05-1966, p. 5)
Em relação à TFP, o jornal Correio de Uberlândia não se limitava a publicar somente a coluna universitária. Ao contrário, esta entidade tinha espaço no jornal para divulgar suas notícias e suas atividades, como o curso de formação anticomunista que ocorreu em São Paulo em 1968. (Correio de Uberlândia, 04 e 05-02-1968, p. 4) Em Uberlândia, os políticos chamavam seus adversários de esquerdistas e ameaçavam entregá-los para os militares. É interessante perceber que isso se dava dentro do próprio partido do governo - a ARENA - , entre facções diferentes. o prefeito Renato de Freitas era criticado pelo vereador Amir Cherulli, que ameaçava pedir "ao Conselho de Segurança Nacional, para que enquadre o Prefeito desonesto (. . . ) nos atos de revolução," (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 11-02-1969, Livro n. 98, p. 55) e quando foi reeleito para a prefeitura em 1972, outro vereador, Antônio Carlos de Oliveira, acreditava na possibilidade.
"(...) de que os ganhadores da eleição estarem ligados a grupos internacionais comunistas e que, possivelmente, mostrou o absurdo das despesas feitas, tenha sido financiados por países esquerdistas do continente. E acredito que os futuros auxiliares do novo prefeito serão todos da linha esquerdistas. Que os subversivos já estão se organizando e operando em Uberlândia fazendo com que ela volte a ser congnominada de ‘Moscou Brasileira’." (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 15-01-1973, Livro n. 102, p. 159)
Assim, o discurso anticomunista era utilizado nas lutas políticas do município, enquanto ameaça, para Uberlândia não voltar a ser a "Moscou brasileira". No entanto, tratava-se mais de um mecanismo na luta pelo poder local do que críticas sérias e fundadas. A cidade estava plenamente de acordo com os governos militares, como podemos perceber na comemoração dos aniversários da "revolução democrática", com artigos na imprensa46 e sessões especiais na Câmara Municipal. (CMU – Ata da Sessão Solene Comemorativa ao 8º. Aniversário da Revolução de 1964, 29-03-1972, Livro n. 102, p. 55) Na década de 1970, além dessa comemoração - e mesmo outras datas militares eram reverenciadas, como o Dia da Vitória Aliada (Correio de Uberlândia, 07-05-1975, p. 1) e o Dia do Soldado (Correio de Uberlândia, 26 e 27-08-1978, p. 1) - a imprensa divulgava, de um lado, com certa naturalidade, as manobras na região, (Correio de Uberlândia, 14-12-1973, p. 1 e Correio de Uberlândia, 04-04-1975, p. 1) e, de outro, criticava duramente "os agentes do terrorismo", como Lamarca, que vivia como um "verdadeiro burguês", de acordo com Correio de Uberlândia:
"A propósito, terroristas da VPR presos, principalmente os que repudiam a organização, se referem aos milhares de dólares recebidos por Lamarca que lhe permitiram mandar sua família legítima, esposa e filhos, para Cuba onde vivem como ‘nouveaux riches’ e também, continuar no Brasil como um verdadeiro burguês sustentando outra família constituída com sua amante, a terrorista Yara Yavelberg." (Correio de Uberlândia, 20-07-1971, p. 7)
No final dos anos 1970 houve o retorno das greves a nível nacional, sobretudo em São Paulo, e iniciou-se um processo de luta pelo fim dos governos militares. Em Uberlândia, também ocorreram mudanças, como o fortalecimento do MDB (Correio de Uberlândia, 22-11-1978, p. 1) - partido que até então não tinha participação expressiva na cidade - e o ressurgimento das greves - como a dos professores estaduais, dos bancários e dos estudantes da UFU (Correio de Uberlândia, 15-06-1979 e Correio de Uberlândia, 21-08-1979, p. 1) -, o que era condenado pela imprensa local. (Correio de Uberlândia, 29-11-1979, p. 7)
Além das greves, a sociedade uberlandense começou a se organizar também através das Associações de Moradores (AMs). Entretanto, a criação das AMs na cidade fazia parte da estratégia de um grupo do PMDB para chegar ao poder. (Nizia N. Alvarenga, As Associações de Moradores de Uberlândia, p. 39) Esse grupo, baseado nas AMs e em outras organizações populares, venceu as eleições para a prefeitura de Uberlândia em 1982, e fez questão de se diferenciar, tanto no discurso como na prática, das administrações anteriores, como podemos perceber na mensagem do Executivo a Câmara Municipal de 1984:
"(...) o nosso Projeto de Governo, no ano que passou, teve um desenvolvimento auspicioso. No plano político procuramos lançar as bases da Democracia Participativa como método de governo. Acreditamos que a participação do povo, suas críticas e sugestões, são importantes para um melhor aproveitamento na aplicação dos recursos públicos que a cada orçamento ficam escassos. No plano administrativo, de obras e serviços, procuramos atender às necessidade mais urgentes da população, investindo e aplicando os recursos na área social. A nossa preocupação maior foi e continua sendo a de resgatar a enorme dívida social deixada pelo passado." (CMU – Ata de Reunião Ordinária, 15-02-1984)
Assim, o prefeito do PMDB Zaire Rezende encaminhava a sua administração de uma maneira diferente das anteriores, contando inclusive com o apoio e a participação de comunistas no seu governo. Aliás, nesta conjuntura de abertura política e redemocratização do país, o discurso anticomunista caía no vazio. Se antes fora um aspecto fundamental do discurso conservador - dos grupos que estavam no poder, indo das prefeituras, como Uberlândia, até ao governo federal, dominado pelos militares -, na década de 1980, com as mudanças políticas e a redemocratização, com a ascensão de novos grupos, tanto a nível municipal e estadual, e com a implantação da Nova República, o anticomunismo tornar-se-ia um fantasma do passado.