REGIME MILITAR
Não existe novidade que sou um crítico aos excessos do PT no poder. É evidente também que não defendo a corrupção do PSDB em São Paulo. Enfim, eu tenho, basicamente, uma postura independente e não sou ligado aos partidos políticos ou outros grupos ideológicos. Fiz ainda teses e escrevi livros e artigos contra a ditadura militar brasileira.
Alexandre Eggers Garcia da TV Globo foi porta-voz do último general, presidente da República, no regime militar. Os seus discursos atuais em favor do processo democrático são bem diferentes da sua prática política daquela época.
Entretanto, pretendo discutir o texto de uma outra pessoa (que, na internet, pode ser confundida com o jornalista da Globo): Alexandre Paz Garcia.*
O assunto é a ditadura militar e o que chama a atenção é a forma de uma pretensa objetividade que as ideias são apresentadas.
De fato, o autor faz exatamente o que ele pretende denunciar: manipula os fatos para justificar o seu ponto de vista, mesmo tentando se colocar como neutro, ora elogiando a direita ora aplaudindo a esquerda.
Garcia escreve algumas coisas coerentes, mas isso parece mais uma estratégia para dar uma coerência ao conjunto do texto que apresenta alguns absurdos, como:
1. “(...) Guevara, este, um assassino cuja empatia pessoal abafa sua natureza implacável diante dos inimigos.”
Criticar o que virou Cuba após a Revolução é uma coisa. Avaliar a trajetória autoritária dos Castros durante todo este período faz parte desta coerência. Agora chamar Che Guevara de assassino significa desconsiderar o processo revolucionário cubano em 1959 e o que o país era antes, significa ainda desconsiderar as circunstâncias da sua morte na Bolívia.
2. “A grande verdade é que o golpe ou revolução de 1964, chame como queira”
Tratar 1964 como golpe ou revolução não é a mesma coisa. Os conceitos carregam em si valores. Falar que 1964 foi revolução significa legitimar o evento. Pior, passa a ideia equivocada de que a maioria estaria de acordo com a maneira que militares tomaram o poder, desrespeitando completamente a constituição brasileira e o processo democrático.
Num dado momento, depois de elogiar os dois lados, o autor escreve:
3. “Mas não respeito a forma como esses ‘guerreiros’ tratam o conflito. E respeito menos ainda quem os trata como heróis e os militares como vilões.”
Eram guerrilheiros que lutavam contra uma ditadura militar. Não havia, como dá a entender no texto, uma guerra entre iguais. Não foram citados ainda os grupos militares clandestinos financiados por empresários para atacar os comunistas no país e nem foi apresentada a importância do Delegado Fleury neste contexto.
Foi omitido ainda que existia uma desigualdade absurda entre os dois lados. Neste sentido, um exemplo que pode ser dado seria a Guerrilha do Araguaia (que o exército, até hoje, recusa-se a tratar do assunto). Nas batalhas, havia, de um lado, 69 guerrilheiros, e do outro lado, com 5.000 soldados – como ocorreu na “segunda campanha do Exército” contra os comunistas. Os guerrilheiros foram “dizimados [e a] guerrilha do Araguaia foi abafada e escondida como um vício nefando.” (Gorender, Combate nas Trevas, p. 210)
Outro exemplo da maneira equivocada na análise de Garcia pode ser percebida no exemplo a seguir:
4. “A esquerda brasileira, por outro lado, adora tratar os seus guerrilheiros como heróis. (...) E aí eu pergunto: os crimes deles são menos importantes que os praticados pelos militares? O sangue dos soldados que tombaram é menos vermelho do que o dos guerrilheiros? Ações equivocadas de um lado desnaturam o caráter nebuloso das ações praticadas pelo outro? Penso que não.”
Foi desconsiderada mais uma vez a desigualdade entre os dois lados em conflito. Faltou ainda contextualizar a atuação da esquerda armada, os seus erros e em quais momentos históricos.
O trecho seguinte faltou com a verdade:
5. “A lei de Anistia é um perfeito exemplo da nobreza que me referi anteriormente. Porque o lado vencedor (sim, quem fica 20 anos no poder e sai porque quer, definitivamente é o lado vencedor) concedeu perdão amplo e irrestrito a todos os que participaram da luta armada.”
A “anistia ampla, geral e irrestrita” era uma bandeira da oposição ao regime militar. A anistia não foi, portanto, um “ato de nobreza” nem uma concessão de quem estava no poder.
6. “Esse respeito, entretanto. Só existiu de um lado. Porque a esquerda, amargurada pela derrota e pela pequenez moral de seus líderes nada mais fez nos anos que se seguiram, do que pisar na memória de suas Forças Armadas. E assim seguem fazendo. Jogando na lama a honra dos que tombaram por este país nos campos de batalha.”
Aqui existem exageros e mentiras. Especificamente no caso do regime militar, qual seria a honra das Forças Armadas (que foram criadas para defender o país de um inimigo estrangeiro) em censurar, prender, torturar e matar brasileiros que não concordavam com as diretrizes do governo?
No final do seu texto, Garcia, que tentava se mostrar neutro, revela que a sua escolha de um lado foi uma opção política e que em nada tinha a ver com a objetividade dos fatos e com o contexto histórico por ele tratado.
7. “Então, neste 31 de março, celebrarei aqueles que se levantaram contra o mal iminente. Celebrarei os que serviram à Pátria com honra e abnegação.”
Mais uma vez aparece a palavra “honra” associada ao processo de luta das Forças Armadas, num período específico, contra brasileiros (e não em um conflito com inimigos estrangeiros). Um texto que tenta aparecer como neutro, no final, revela-se só uma peça panfletária e ideológica que justificaria os atos ocorridos numa ditadura militar.
(*) Alexandre Paz Garcia (2013) Revolução de 31 Mar 1964 - Uma sucinta análise para a atual juventude. Em Direita Brasil. http://www.emdireitabrasil.com.br/index.php/principal/14-opiniao/510-revolucao-de-31-mar-64--uma-sucinta-analise-para-a-atual-juventude.html
Não existe novidade que sou um crítico aos excessos do PT no poder. É evidente também que não defendo a corrupção do PSDB em São Paulo. Enfim, eu tenho, basicamente, uma postura independente e não sou ligado aos partidos políticos ou outros grupos ideológicos. Fiz ainda teses e escrevi livros e artigos contra a ditadura militar brasileira.
Alexandre Eggers Garcia da TV Globo foi porta-voz do último general, presidente da República, no regime militar. Os seus discursos atuais em favor do processo democrático são bem diferentes da sua prática política daquela época.
Entretanto, pretendo discutir o texto de uma outra pessoa (que, na internet, pode ser confundida com o jornalista da Globo): Alexandre Paz Garcia.*
O assunto é a ditadura militar e o que chama a atenção é a forma de uma pretensa objetividade que as ideias são apresentadas.
De fato, o autor faz exatamente o que ele pretende denunciar: manipula os fatos para justificar o seu ponto de vista, mesmo tentando se colocar como neutro, ora elogiando a direita ora aplaudindo a esquerda.
Garcia escreve algumas coisas coerentes, mas isso parece mais uma estratégia para dar uma coerência ao conjunto do texto que apresenta alguns absurdos, como:
1. “(...) Guevara, este, um assassino cuja empatia pessoal abafa sua natureza implacável diante dos inimigos.”
Criticar o que virou Cuba após a Revolução é uma coisa. Avaliar a trajetória autoritária dos Castros durante todo este período faz parte desta coerência. Agora chamar Che Guevara de assassino significa desconsiderar o processo revolucionário cubano em 1959 e o que o país era antes, significa ainda desconsiderar as circunstâncias da sua morte na Bolívia.
2. “A grande verdade é que o golpe ou revolução de 1964, chame como queira”
Tratar 1964 como golpe ou revolução não é a mesma coisa. Os conceitos carregam em si valores. Falar que 1964 foi revolução significa legitimar o evento. Pior, passa a ideia equivocada de que a maioria estaria de acordo com a maneira que militares tomaram o poder, desrespeitando completamente a constituição brasileira e o processo democrático.
Num dado momento, depois de elogiar os dois lados, o autor escreve:
3. “Mas não respeito a forma como esses ‘guerreiros’ tratam o conflito. E respeito menos ainda quem os trata como heróis e os militares como vilões.”
Eram guerrilheiros que lutavam contra uma ditadura militar. Não havia, como dá a entender no texto, uma guerra entre iguais. Não foram citados ainda os grupos militares clandestinos financiados por empresários para atacar os comunistas no país e nem foi apresentada a importância do Delegado Fleury neste contexto.
Foi omitido ainda que existia uma desigualdade absurda entre os dois lados. Neste sentido, um exemplo que pode ser dado seria a Guerrilha do Araguaia (que o exército, até hoje, recusa-se a tratar do assunto). Nas batalhas, havia, de um lado, 69 guerrilheiros, e do outro lado, com 5.000 soldados – como ocorreu na “segunda campanha do Exército” contra os comunistas. Os guerrilheiros foram “dizimados [e a] guerrilha do Araguaia foi abafada e escondida como um vício nefando.” (Gorender, Combate nas Trevas, p. 210)
Outro exemplo da maneira equivocada na análise de Garcia pode ser percebida no exemplo a seguir:
4. “A esquerda brasileira, por outro lado, adora tratar os seus guerrilheiros como heróis. (...) E aí eu pergunto: os crimes deles são menos importantes que os praticados pelos militares? O sangue dos soldados que tombaram é menos vermelho do que o dos guerrilheiros? Ações equivocadas de um lado desnaturam o caráter nebuloso das ações praticadas pelo outro? Penso que não.”
Foi desconsiderada mais uma vez a desigualdade entre os dois lados em conflito. Faltou ainda contextualizar a atuação da esquerda armada, os seus erros e em quais momentos históricos.
O trecho seguinte faltou com a verdade:
5. “A lei de Anistia é um perfeito exemplo da nobreza que me referi anteriormente. Porque o lado vencedor (sim, quem fica 20 anos no poder e sai porque quer, definitivamente é o lado vencedor) concedeu perdão amplo e irrestrito a todos os que participaram da luta armada.”
A “anistia ampla, geral e irrestrita” era uma bandeira da oposição ao regime militar. A anistia não foi, portanto, um “ato de nobreza” nem uma concessão de quem estava no poder.
6. “Esse respeito, entretanto. Só existiu de um lado. Porque a esquerda, amargurada pela derrota e pela pequenez moral de seus líderes nada mais fez nos anos que se seguiram, do que pisar na memória de suas Forças Armadas. E assim seguem fazendo. Jogando na lama a honra dos que tombaram por este país nos campos de batalha.”
Aqui existem exageros e mentiras. Especificamente no caso do regime militar, qual seria a honra das Forças Armadas (que foram criadas para defender o país de um inimigo estrangeiro) em censurar, prender, torturar e matar brasileiros que não concordavam com as diretrizes do governo?
No final do seu texto, Garcia, que tentava se mostrar neutro, revela que a sua escolha de um lado foi uma opção política e que em nada tinha a ver com a objetividade dos fatos e com o contexto histórico por ele tratado.
7. “Então, neste 31 de março, celebrarei aqueles que se levantaram contra o mal iminente. Celebrarei os que serviram à Pátria com honra e abnegação.”
Mais uma vez aparece a palavra “honra” associada ao processo de luta das Forças Armadas, num período específico, contra brasileiros (e não em um conflito com inimigos estrangeiros). Um texto que tenta aparecer como neutro, no final, revela-se só uma peça panfletária e ideológica que justificaria os atos ocorridos numa ditadura militar.
(*) Alexandre Paz Garcia (2013) Revolução de 31 Mar 1964 - Uma sucinta análise para a atual juventude. Em Direita Brasil. http://www.emdireitabrasil.com.br/index.php/principal/14-opiniao/510-revolucao-de-31-mar-64--uma-sucinta-analise-para-a-atual-juventude.html