OLIVEIRA, S. F. A Questão Urbana. In.: Crescimento Urbano & Ideologia Burguesa. Uberlândia: Rápida Editora, 2002, p. 16-20.
O crescimento urbano brasileiro deve ser analisado dentro do contexto de crescimento capitalista adotado pelo país. Vilmar Faria no seu texto "Desenvolvimento, urbanização e mudanças na estrutura do emprego: a experiência brasileira nos últimos trinta anos", conclui que "o processo de desenvolvimento foi acompanhado por um intenso e acelerado processo de urbanização - taxa de crescimento da população urbana de 5,.64 por cento ao ano - que resultou no aumento da taxa de urbanização de 36,2 por cento para 67,7 por cento ao ano, segundo o critério censitário, e de 21,5 por cento para 45,7 por cento ao ano, segundo o critério mais exigente aqui utilizado, havendo ainda, substancial incremento no número de cidades, que passaram de 96 para 482." (Vilmar Faria, Sociedade e Política Pós-64, p. 140)
Não há como negar, portanto, que o processo de urbanização no Brasil está ligado diretamente ao crescimento econômico do país. Em relação aos últimos anos, significa dizer também que o avanço da economia se deu baseado no intenso processo de industrialização brasileiro, baseado sobretudo no capital internacional.
Se, por um lado, não existe dúvida quanto ao crescimento econômico e urbano no país, por outro lado, de acordo com Lúcio Kowarick, está claro também que este modelo brasileiro foi possível graças ao agravamento das desigualdades sociais. José Álvaro Moisés concorda com esta análise, e afirma que "a formação das principais áreas metropolitanas brasileiras foi acompanhada do surgimento de uma série de contradições sociais e políticas específicas que apareceram na forma das distorções urbanas conhecidas, por exemplo, por cidades como São Paulo, Recife, Belo Horizonte, Salvador e Porto alegre, entre outras.” (José Álvaro Moisés, Cidade, Povo e Poder, p. 30-31) Em suma, o crescimento das grandes cidades gerou contradições e conflitos sociais.
Existem muitos trabalhos que analisam esta problemática, mas, o que dizer das cidades de médio porte? Juarez A. B. Rizzieri percebe o crescimento dessas cidades de acordo com o avanço urbano geral no país. De acordo com sua análise, "as cidades brasileiras (...) foram desenvolvidas, inicialmente, [baseadas em] funções de exportação ligadas à exploração de recursos naturais; o processo de industrialização surgiu posteriormente, beneficiando-se do sistema de transporte de longa distância e concentrando-se nas cidades que desenvolveram serviços e mercados locais, ligados ao comércio exterior. A concentração de atividades econômicas em um número reduzido de grandes cidades foi uma decorrência natural deste processo, que promoveu um desequilíbrio no sistema regional-urbano e na hierarquia das cidades." (Juarez A. B. Rizzieri, Desenvolvimento Econômico e Urbanização, p. 28-19) Por esta razão histórica, a urbanização brasileira, baseada no crescimento econômico industrial, tem-se caracterizado sobretudo pelo desenvolvimento das chamadas grandes metrópoles.
Entretanto, a partir da década de 1950, ainda de acordo com Juarez A. B. Rizzieri, apesar de ocorrer o "fortalecimento das áreas metropolitanas na medida em que se consolidou um mercado efetivamente nacional," houve também outra mudança fundamental em relação ao desenvolvimento das cidades médias, ao atuarem como pontos eficientes de apoio a um amplo processo de descentralização urbano-industrial." (Juarez A. B. Rizzieri, Desenvolvimento Econômico e Urbanização, p. 35)
Este crescimento das cidades de médio porte seguiu o modelo de urbanização das grandes cidades? Não existe nenhum trabalho que análise especificamente esta temática. Entretanto, a imagem normalmente veiculada das cidades de médio porte é a de um espaço limpo e organizado, onde não haveria tantos conflitos como nas grandes metrópoles. Na revista Veja, Uberlândia aparecia um exemplo claro disto:
"Pode-se ter pensamentos otimistas (...) em muitas cidades brasileiras. Uberlândia, 350.000 habitantes, fincada no Triângulo Mineiro, é apenas uma delas - mas destaca-se fortemente dessa família feliz de aglomerados urbanos por um conjunto de fatores que a transformou numa síntese do bom interior.
(...) No centro de um pólo formado por seis capitais brasileiras, a mais próxima delas Goiânia, a 400 quilômetros de distância, Uberlândia vive fora do círculo de crise econômica e social que hoje se aperta em torno da maioria das cidades do país. Em Uberlândia, é quase inacreditável, não existem mendigos. Em vez de desemprego, ali há vagas em oferta em muitas empresas, inclusive as de construção civil, que desconhecem o garrote que asfixia suas congêneres no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e outras capitais. Uberlândia detêm uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil do país, distribui água fluoretada a toda população e coleciona índices de segurança que fazem inveja a qualquer centro urbano (. . .). Trigésima quarta cidade brasileira em população, é a décima segunda arrecadação de impostos - um desempenho que deixa para trás dezesseis capitais do país e representa uma média de contribuição por habitante nove vezes superior à brasileira. Além de tudo isso, Uberlândia ainda dá a seus moradores aquele tipo de tranqüilidade que só se encontra no interior." (Ibsen Spartacus e Marcos E. Gomes, Crise à Distância, Veja, 18 de novembro de 1987, p. 66-67 VER FOTOS ABAIXO)
Esta imagem harmoniosa da cidade será analisada nos capítulos seguintes. No momento, é importante compreender como esta cidade está inserida no contexto brasileiro.
Uberlândia está localizada no Triângulo Mineiro. De acordo com Roberto C. Sampaio, um dos primeiros colonos a ter contato com a região foi o bandeirante Anhanguera, por volta de 1722.
"Na época, era bastante difícil penetrar pelo Triângulo, dada a existência de quilombos e de tribos indígenas, bastante selvagens. A região era conhecida como ‘Sertão da Farinha Podre’. De 1730 a 1766, o Governo de Minas tentava, através da força, penetrar pelo Triângulo, mas somente nesta última data é que conseguiu eliminar o Quilombo do Ambrósio e a tribo dos Araxás." (Roberto C. Sampaio, Migrações no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, p. 9)
Com o início da ocupação da região, o Governo Goiano também começou a reivindicar este território; apesar das resistências dos mineiros, conseguindo a sua posse durante o período de 1766 a 1816. Após esta data, a região voltou a pertencer a Minas Gerais.
Os primeiros colonos vieram para região atraídos pela "possibilidade de ocupar áreas imensas e férteis." A produção agropecuária ganhou força a partir do declínio da mineração no século XVIII, como resume Roberto C. Sampaio:
"Com a decadência da exploração das minas na segunda metade do século XVIII, que atingiu também as minas do Vale do São Francisco e de Paracatu, a alternativa que se apresentava, para a população desocupada da mineração, era a produção agropecuária.
No início do século XIX, o Triângulo já se encontrava ocupado economicamente em grande parte, e fornecia alimentos para as populações de São Paulo e Rio." (Roberto C. Sampaio, Migrações no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, p. 10)
De acordo com Beatriz R. Soares, o Triângulo foi inserido realmente na economia nacional a partir dos seguintes fatores: a construção da Estrada de Ferro Mogiana em 1895, que ligava a região a Campinas, "a construção da ponte Afonso Pena sobre as águas do Paranaíba, em 1909, ligando Minas Gerais a Goiás." e a criação, em 1912, da Companhia Mineira de Autoviação, para a construção de rodovias, que possibilitassem "o escoamento de produtos e o transporte de passageiros entre 32 cidades de Goiás e Minas Gerais." Ocorre "(. . .) a partir daí, o aprofundamento das relações comerciais entre São Paulo e o Triângulo Mineiro, particularmente com Uberlândia, que se especializava na comercialização de alimentos, além de realizar a intermediação entre Minas Gerais, Goiás e São Paulo." (Beatriz R. Soares, Habitação e Produção do Espaço em Uberlândia, p. 14)
Uberlândia foi fundada em 31 de Agosto de 1888, mas somente a partir de 1924, começaram a surgir algumas indústrias na cidade. A principal delas foi a fábrica de tecidos Cia. Industrial do Triângulo Mineiro, mas havia também uma grande produção de charqueadas e ainda algumas "indústrias de implementos agrícolas (fabricação de máquinas para engenho de cana para agricultura, telas, serrarias, indústrias alimentícias)." (Beatriz R. Soares, Habitação e Produção do Espaço em Uberlândia, p. 32)
Na década de 1930, com o Governo Vargas, o Brasil conheceu um período de incentivo às indústrias nacionais, o que fortaleceu ainda mais o crescimento da região Sudeste, principalmente São Paulo, "com a qual Uberlândia se encontra intimamente ligada em suas relações econômicas." (Beatriz R. Soares, Habitação e Produção do Espaço em Uberlândia, p. 38)
Em 1940, Uberlândia tinha 163 indústrias (ligadas sobretudo ao setor agropecuário), mas a sua principal atividade econômica nesta época era o comércio, principalmente o ligado à produção de arroz.
Todavia, o grande salto para o crescimento da cidade só ocorreu a partir da década de 1950, com implantação do capital estrangeiro no país, basicamente no que dizia respeito às indústrias automobilísticas, o que incentivou a construção de novas estradas (para Uberlândia esse aspecto foi fundamental, pois graças a sua posição geográfica, isso acabou reforçando a sua posição comercial, baseada num entroncamento de rodovias estaduais e federais), somando-se ainda a construção de Brasília e a intensificação do comércio e do setor de serviços da cidade.
Em relação A intensificação do capitalismo no campo, de acordo com Vera Lúcia S. Pessoa, o caso de Uberlândia não foi diferente do restante do Brasil:
"Conclui-se que a modernização da agricultura no município de Uberlândia se enquadra perfeitamente bem no que se convencionou chamar de uma ‘transformação conservadora’ da agricultura, pois sendo os insumos, máquinas e crédito rural privilégios dos grandes proprietários sé estes conseguem realmente uma renda satisfatória das atividades agrícolas e podem melhorar cada vez mais seu padrão sócio-econômico.
Por outro lado, os pequenos proprietários, os trabalhadores assalariados, os arrendatários e parceiros por não terem acesso àqueles bens, permanecem em precárias condições com relação às rendas auferidas, levando como conseqüência o não alcance do desenvolvimento rural. Muitos destes proprietários acabam por desistir da atividade rural, vendendo suas propriedades, geralmente, para o empresário rural.
É neste sentido que a modernização da agricultura tem sido ‘conservadora’, pois ela tem contribuído para manter o estado atual da questão agrária brasileira, ou seja, uma concentração cada vez maior da posse e renda da terra.
Realmente, a situação da agricultura do município de Uberlândia confirma plenamente a quem a modernização da agricultura atende e beneficia." (Vera Lúcia S. Pessoa, Características da Modernização da Agricultura e o Desenvolvimento Rural em Uberlândia, p. 146-147)
Além do mais, o crescimento econômico e urbano da cidade, se fez em grande parte, devido ao êxodo rural e também à migração urbana-urbana. Neste sentido, o que ocorreu no município, de certa forma, aconteceu também em outras regiões brasileiras:
"Num primeiro momento, de 1940 a 1970, a migração é predominantemente marcada pela saída das pessoas do campo para as cidades. Num segundo momento, de 1970 à atualidade, a migração se caracteriza pela saída de pessoas de cidades para outras cidades, daí, pode-se dizer que o modelo concentracionista adotado no Brasil pós-60 envolve, também, a concentração de pessoas em determinados espaços do seu território" (Paulo S. Freitas e Roberto C. Sampaio [org.] Sinopse do Diagnóstico Sócio-Econômico do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, p. 139)
A base econômica da região do Triângulo é a agropecuária, e grande parte de suas indústrias são direcionadas para este setor - são as chamadas agroindústrias. Uberlândia é a cidade que mais se desenvolve industrialmente na região, e, portanto, este aspecto, junto com comércio, tem um peso fundamental na formação da burguesia da cidade. Mas, quem é essa burguesia? Existe conflito entre os setores urbano e rural? Não. A palavra de ordem da burguesia local é união, e a principal instituição que representa seus interesses - a ACIUB - foi durante muito tempo representante também dos setores rurais, como lembrou um empresário local:
"Naquela época, nossa entidade se denominava Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Uberlândia, denominação que possuía desde sua fundação nos idos de 15/10/1933. Éramos em conseqüência uma entidade representativa do Comércio, da Indústria e da Agropecuária. Essas três classes produtoras, como sempre acontece em Uberlândia, trabalhavam sob a égide de sua entidade, coesas e com tenacidade, e prol do desenvolvimento da nossa comunidade." (ACIUB, Uberlândia, Ata da Reunião Ordinária, 16-03-1979, Livro n. 27)
Existe, portanto, uma união dos setores dominantes da cidade e do campo. Essa característica, porém, não se restringe somente à burguesia. Há também uma aliança de interesses entre os empresários e a classe política - a ACIUB "desmente a dissociação entre empresários e Políticos ( . . . ) porque o desenvolvimento de nossa Uberlândia foi sempre produto de uma associação harmônica entre Políticos e Empresários." (Discurso do Presidente da ACIUB Milton Resende Rodrigues, ACIUB, Uberlândia, Ata da Reunião Ordinária, 26-10-1981, Livro n. 46)
Entre os próprios partidos políticos, este discurso de união em nome dos interesses da cidade permanece:
"O vereador Luiz Alberto Rodrigues (do MDB) disse ao Sr. Prefeito Municipal (da ARENA) que sua bancada nesta casa de Leis colocará os interesses de Uberlândia acima de tudo, inclusive do próprio partido e, acima dos interesses de grupos particulares." (Câmara Municipal de Uberlândia, Ata da Reunião ordinária, 14-02-1977, Livro n. 112, p. 14)
Assim, em Uberlândia prevalece a aliança dos setores dominantes urbano e rural, e desses com a classe política e os poderes governamentais.
(Obs. Esse texto foi escrito como parte de uma dissertação de mestrado aprovada na Universidade Federal Fluminense em 1992. A dissertação foi publicada em livro em 2002.)